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Arteducação: nos chãos da rua

Por Bruno Santos Cerqueira*

Três décadas, 30 anos, ano após ano, mês a mês, semana a semana, todos os dias, de segunda à sexta, com o sol ao alto e ameno, sob o quentume do astro rei, em bicas, catando sombra e ora atravessando chuviscos. Testemunhando todo santo dia, o pôr do sol…

Subindo e descendo, andando e correndo, falantes e silentes, observando, paquerando, namorando e aconchegando pedagogicamente. Encaminhando, orientando, informando, criando, imaginando, brincando, encenando, musicando, construindo, arteducando e revolucionando…

Conversando aqui e acolá, dialogando seja com quem tiver de falar, seja polícia, a guarda municipal, o lojista, o traficante, o morador e a moradora.

Entrando e saindo de instituição, igreja, delegacia, posto de saúde, museu, biblioteca, secretaria, escola, casa, casebre, casarão. A gente vai onde tem sujeito de Direito, de Conhecimento e Desejo não importa onde for.
Atravessando becos, vielas, ruas, avenidas, viadutos, escadas, pontes e transversais, seguimos na defesa e proteção daqueles e daquelas que consideramos como primordiais.

A gente cansa, descansa, perde o fôlego, recupera, inspira e expira, titubeia, cai, levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima, por baixo, pelo lado, vai e volta, tenta, insiste, resiste, responde, resgata, grita, chama, cala, canta, murmura, reclama sempre seguindo… Seguimos escrevendo, rascunhando, desenhando, pintando, colorindo, rasgando, bordando, costurando, alinhavando, colando, imprimindo, traçando… Seguimos esperançando…

“A rua é nossa própria existência”, disse, João do Rio, e na conversa com o poeta, digo que no Axé a rua é mais que nossa existência que, por si só já é muito. A rua é também palco, onde com rodas e colorido apresentamos a unidade móvel – entidade, “Axébuzu”, que na magia da nossa imaginação só lhe faltam asas para assim abrilhantar mais ainda sua chegada sempre triunfante nas ruas e praças por onde passa.

A rua é também palanque, é nela que alteamos a voz, o brado de defesa dos direitos humanos, das pessoas, do homem, da mulher seja cis, trans, (não) binário, do velho, do novo, do adolescente e da criança. Seja negra, indígena, branca, amarela, asiática, viada, sapatona, trava, mona…

A rua também é picadeiro, é nela que a palhaçaria se faz tinta com a qual pintamos o nosso rosto das cores da alegria e diante da dureza das ruas e das agruras de uma sociedade cindida de classes com desigual e combinada divisão das riquezas produzidas socialmente, a qual denominamos, pobreza. Fazemos despertar gargalhadas, risos e graça na travessia das cordas bambas da vida.

A rua é também passarela, nela desfilamos altivas e ora cabisbaixas, mas sobretudo, cheias de esperança, e com “a fé que não costuma faiá” na chegada de novos e justos tempos que se encontram longe daqui.

A rua é também quintal, terreiro onde brincamos, dançamos, onde a ciranda é cantada e a roda gira invocando os seres infantes mágicos, ibejis, onde a cultura das infâncias é cultivada.

A rua também é tela, quadro, é onde escrevemos e inscrevemos sonhos, desejos, políticas. “A rua é o Axé e o Axé é a rua”.

É por isso que há 30 anos o Projeto Axé vem apostando ousadamente na defesa e proteção dos direitos da criança e do adolescente em situação existencial de rua, sobretudo no desejo e no tempo dos meninos e das meninas capitães da areia e por que não dizer do asfalto, com o objetivo de guinar os destinos trágicos arquitetados pelo projeto neoliberal, capitalista e excludente que insiste em esvaziar a humanidade de meninos e meninas soteropolitanos.

Tudo isso sendo possível através da Educação de Rua, uma tecnologia social que se estrutura convocando à reflexão e à construção todos os sujeitos que fazem a ânima das ruas, para alinhavar maneiras de sobreviver ao mundo de crianças e adolescentes, jovens e seus familiares em situação de rua, assim como a população de rua como um todo, dessa forma reinscrevendo a Pedagogia do Desejo em sua natureza infinda nos espaços antes apenas de invisibilidade, de pretume do asfalto, de agruras e fumaça acinzentada.

Educar a rua, na rua e com a rua é apostar no cuidado onde se construiu ao longo de muito tempo a ideia de que a rua é de passar, de não estar, de ir e vir, de não ficar.

Diante do compromisso político: é riscando asterisco no chão da calçada que fazemos encruzilhada, caminhos, sentidos. E com giz e imaginação riscamos a amarelinha que nos levará à terra das crianças e dos adolescentes, ambos, o “AXÉ mais precioso de uma nação”.

*Gerente da Educação de Rua do Projeto Axé