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Dança no Projeto Axé: uma experiência de Autonomia com Arte

Nasci num bairro periférico em Alagoinhas, filho de uma lavadeira, que lavava num rio cantando e dançando junto a outras mulheres, em 1977. Tenho oito irmãos – duas mulheres e seis homens. Eu sou o único que cheguei ao nível superior. As festas populares, o candomblé, a capoeira angola sempre estiveram presentes e me fizeram desde cedo atentar para a Arte. Na infância, as quadrilhas juninas já eram espaços de exercício de dança em mim, tendo tirado os primeiros lugares dos quatro anos em que estudei no Centro Social São Luiz.

Indo acompanhar (escondido) meu pai nos sambas-de-roda da cidade, pude contemplar os movimentos sincopados dos corpos das mulheres e dos homens, tão característicos do recôncavo. Um tio meu era praticante de candomblé e minha lembrança maior dele era o quarto sagrado que ele tinha em casa. Isso já me aproximava do universo dessa religião. O movimento das pessoas nas rodas, nas incorporações espirituais e nos diversos rituais que pude assistir favoreceram em mim uma aproximação com essa estética, que utilizo até hoje no meu trabalho.

A chegada em Salvador (em 2000) concretizava uma relação que eu estabelecia com a dança e a música soteropolitanas a partir das festas populares e do carnaval. Desde Alagoinhas, vindo para a cidade a cada fevereiro e experimentando a festa, até ser habitante de Salvador meu corpo pôde se construir também tendo como elemento dinâmico o que alguns autores chamam de “baianidade”, esse conceito que tenta abarcar uma forma de ser dos baianos do entorno da Baía de Todos os Santos. A chegada a Salvador representou um momento de muitos aprendizados pra mim.

Comecei a estudar Dança Clássica aos 23 anos com o Mestre Carlos Moraes – que chegou à Bahia em 1971, portanto seis anos antes de eu nascer – com quem aprendi – entre tantas coisas – que qualquer técnica de dança não pode aprisionar e sim libertar tanto o corpo, quanto a mente. Isso me levou a uma compreensão muito profunda de que meu corpo pode dançar e experimentar de forma muito ampla. Conheci e estudei muitas referências da Dança Afro, Moderna, Contemporânea.

Nomes como os de Mercedes Batista, Augusto Omolú, Jorge Silva, Emília Biancardi, Mestre King, Isadora Duncan, José Limón, Mat´sEk, JiryKilian, Pina Bausch se tornaram basilares para mim na interlocução com Carlos Moraes. A aplicabilidade de sua forma de pensar a arte se dá também na minha prática pedagógica, que de tão presentes e estruturantes passo a entender estas contribuições como princípios, buscando orientar aos (as) educandos (as) com quem já trabalhei e trabalho a construir autonomia e não se aprisionar por nenhuma técnica, como a um único conhecimento. Ingressei na Escola de Dança da FUNCEB no Curso Técnico de Dança, onde participei do primeiro estágio em Dança Afro, junto a professora Nadir Nóbrega, com quem tive a experiência de aprender a perceber as diferenças entre os corpos negros e fazer da aula um espaço para todos, contemplando a diversidade.

A Educação Popular começa a ganhar fôlego e isso se conecta com muita propriedade às propostas desenvolvidas por Carlos Moraes. Os anos seguintes coincidem – inclusive – com a criação do Projeto Axé (1990), central nesse trabalho. Essa experiência no Projeto Axé se projeta para a construção do artigo que aqui escrevo. A presença de Carlos Moraes como mestre na minha trajetória e sua preocupação com a inclusão artística de jovens negros na arte da Dança em Salvador conduz esse trabalho a uma perspectiva de estudo que apresento também como projeto de pesquisa no Mestrado Profissional em Dança da UFBA.

Raimundo Simões de Santana

Arteducador do Projeto Axé – Unidade de Dança e Capoeira Augusto Omolu